Estou na aldeia que te disse
A viagem até cá foi muito difícil...
De noite, com nevoeiro, sozinha...
Foi um alento enorme quando o meu Telm cerca das 6h apitou e percebi que eras tu...
Fiquei triste por sentir mais uma vez que... te magoei tanto e nao conseguir entender o porquê...
Pediste-me para eu te esquecer...
E foi com grande esforço que consegui continuar a conduzir, com nevoeiro, e com o meu coracao despedaçado... mas ainda assim, teres acordado mais cedo para comunicares comigo foi mesmo muito bom...
Passado uns momentos, enviaste-me um email.
Quando o li perdi-me no percurso pela primeira vez
Tive que voltar atras e nao consegui responder
Consegui chegar a vila mais perto da aldeia não sem antes me enganar de novo no caminho... e quando descia a montanha que erradamente tinha subido, um sol se infiltrou por entre as arvores... E quase me cegou...!
Cheguei a essa vila e enviei uma SMS para ti, sabia que era a ultima e que nao irias responder...
E no meu coração permiti-me apenas à sensação do teu beijo... do teu primeiro beijo... aquele que provavelmente nunca mais irei sentir...
...
A partir dessa vila o caminho foi ainda mais difícil...
sozinha... sem poder comunicar... e varias vezes perdida na serra sem certeza de onde estava...
Cheguei à ultima aldeia antes do local de destino e lá me ensinaram como chegar...
Segui cautelosamente a estrada ainda de alcatrão e progressivamente, no alto da serra percebi que do meu lado esquerdo se avistavam ravinas profundas e sem que eu vislumbrasse o fim...!
Permite-me àquela sensação de infinito...
Quando encontrei a estrada de terra a seguir à placa, senti que já nao me perderia e assim foi!
Percorri lentamente a estrada estreita, de terra e com muitas pedras e grandes, sempre a descer e fui progressivamente sendo engolida pelas ravinas da serra...!
Andei cerca de 3km assim, até que avistei a aldeia...!
Um autêntico... buraco de casas em pedra...
Estacionei o carro no ponto máximo que o carro conseguia fazer e os restantes 1000metros fiz a pé de mochila às costas.
Um percurso todo em pedras de altos e baixos e sempre com os olhos postos lá em baixo, no riacho e nas casas...
Umas mais em baixo e outras mais em cima. Apesar de ser um buraco e ser num vale é acidentado, tem muitos altos e baixos...
Entrei na aldeia e perguntei a duas moças pelo meu grupo, nao sabiam...
Andei mais um pouco e depois de um muro havia uma passagem com umas escadas
Eu estava tão feliz por ter chegado e queria saber deles, nao queria ter chegado atrasada, fui pelas escadas em direcção a um chefe que estava um pouco mais à frente
E foi então que... Caí...!
Pus o pé em falso e uma dor enorme percorreu todo o meu corpo...
Suei, tive falta de ar, fiquei completamente imobilizada...!
Quando me recompus olhei o meu pé... tinha uma batata enorme no tornozelo esquerdo...
Todos vieram...
E os meus miúdos também...
Quase nao mexia o pé...
Estava deitada no chão e 20 pessoas à minha volta...
Quase nao ouvi nem vi ninguém e na minha cabeça só pensei "estás no fim do Mundo, com o pé partido, mas tens de ter calma... és chefe tens de te aguentar, tens de dar o exemplo"
Quando consegui recompor-me estavam a levar-me ao colo para uma lagoa, para pôr o pé no frio.
No caminho, como era cheio de pedras e areia caímos os três...
e uma dor tão forte me percorria... só tinha vontade de chorar... e tive de me aguentar...!
Chegámos à lagoa...
Pus o pé na agua fria... aliviou-me...
Foram buscar-me mantas e tudo para que eu apesar de sentada nas pedras pudesse estar confortável e até à hora de almoço aí permaneci...
Vi-te comigo ali... e as lagrimas teimavam em querer sair...
Estavas comigo nao estavas...?
Pensar em ti
No teu sorriso
No teu olhar
Na tua voz
E no teu beijo...
Foi o que me deu a força maior...!
Estavam outros grupos na aldeia todos vieram ajudar
Uns deram as ligaduras e a fita adesiva, outros deram umas placas de gelo, outros a companhia
Um grupo ficou mais tempo a fazer uma acção de serviço na lagoa e por isso acompanharam-me
Os meus miúdos partiram para o que estava suposto.
À hora de almoço tiveram que trazer-me ao colo de novo...
E comecei a desanimar...
Pensei em vir embora mesmo que sozinha e mesmo que com o pé assim...
A carrinha é de mudanças automáticas e tu ensinaste-me só a usar o pé direito e foi isso que treinei depois de ontem ter estado contigo
Portanto talvez conseguisse...
A Ana convenceu-me a ficar, ela tinha ficado comigo, fez-me o almoço e depois o staff da aldeia ofereceu-nos a casa deles para nos deitarmos
Quando cheguei à cama senti um alivio enorme...
Depois da manha inteira sentada em pedras frias soube tão bem o beliche...
Dormimos eu e a Ana depois de almoço...
Pensei como estarias, que estarias a fazer, se te lembrarias de mim...
...
Acordámos cerca das 17h e ficámos na casa a conversar até as 18.30
Hora em que saí a custo e com uma vassoura a servir de muleta consegui andar alguma coisa ao pe coxinho
As 19h havia uma oração e de novo me levaram ao colo...
Incrível como de um momento para o outro ficamos completamente dependentes dos outros e sentimos que a nossa liberdade se cinge à liberdade do nosso pensamento...
Gostei da oração
Mas sobretudo dos cânticos que me lavaram a alma...!
De novo me trouxeram ao colo...
Fomos para a mesa comunitária de pedra. Uns fizeram o jantar, outros cantaram e até de faculdade se falou
Foi giro alguns miúdos ficaram felizes por saber que vou regressar a faculdade
Houve uns momentos a seguir que fiquei mais sozinha e pude contemplar o céu, o alto dos montes, o riacho mais em baixo... e senti tanto a tua falta...
...
Controlar o desejo, a vontade, a necessidade de comunicar contigo... é horrível...
Mas se queres que te esqueça... tenho que desabituar-me de ti... talvez tenha sido uma boa forma de começar...
...
Jantámos e a seguir fizémos a nossa partilha da noite
Eu já estava muito mal, o pé doía, o rabo de estar nas pedras ainda mais, mas tinha que estar firme com eles...!
Quase no fim da partilha começou a chover e a trovejar...
Tivemos de retirar tudo e eu sem poder ajudar... impotente
Ainda tentei andar mas dói muito...
Pedi para ir fazer xixi e vieram trazer-me à casa onde dormi a sesta
É onde estou... com as duas moças do staff da aldeia...
Estou deitada no meu saco-cama num beliche...
Nao sei se lerás tudo isto...
E se leres também só será depois de hoje... porque continuo sem rede
Será depois do dia 8 Set e do meu primeiro dia nesta aldeia...
...
Mas nao conseguia ir dormir sem te escrever...
Sinto tanto a tua falta...
Tu queres que te esqueça...
Mas nunca te vou esquecer... ainda que agora o que guardes de mim seja a mágoa da minha "falta de amor"...
Assim como nunca esquecerei este dia... o dia em que me beijaste pela primeira vez...
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Noite de paz e tranquilidade...
Dorme bem amor...
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