Estava num parque de estacionamento movimentado. É quase Dezembro e a azáfama natalícia já se faz sentir. Estacionei o carro num ponto longínquo para fugir a qualquer hipótese de ser vista ou reconhecia. Se há momento que gosto de fazer sózinha e com calma são as compras. Saí do carro sem grande vontade... está frio e não tenho casaco.
Os meus passos foram perros e desnorteados mas em breves minutos entrei no supermercado. Não estava muita gente mas logo à entrada uma pessoa me abordou - peditório do Banco Alimentar. Dei meia volta e... uma pessoa conhecida...
Fiz as compras meio desnorteada. Apesar da lista que sempre levo, apesar de nem estar muita gente, parece que de repente tinha perdido o sentido das coisas... O leite onde estará? Quero água? Sei lá em que corredor se encontra...
Quando finalmente consegui completar a lista de compras e ter o meu carrinho quase cheio pensei que tinha a missão cumprida, inclusive, dois ou três pacotes seriam para o Banco Alimentar.
Já na caixa, senti frio. Pois, está frio e não tenho casaco.
A senhora que ali se encontrava teve o profissionalismo de me arrumar as compras. Era bastante simpática aquela senhora e eu hoje não fui simpática, sei que não fui... talvez apenas educada porque a boa educação não ocupa lugar e é uma regra básica de convivência em sociedade.
À saída do supermercado lá deixei o meu contributo para o Banco Alimentar e não contive o meu pensamento nas milhares de familias que poderão passar "fome"... ou mesmo fome! E é arrepiante...
O caminho até ao carro paraceu-me mais longo.
O carrinho estava pesado, havia alguma agitação de carros e pessoas, a tal azáfama natalícia...
Coloquei as compras na traseira do carro com alguma dificuldade. As minhas mãos estavam geladas, doiam-me as costas e tinha algum sono e fome à mistura. Depois de todas no seu devido lugar voltei para guardar o carrinho das compras. E mais uma vez regressei ao carro.
Sentei-me, liguei-o e curiosamente tocou "End of may" de Michael Buble.
Nesse instante senti o frémito do meu corpo... Está frio e não tenho casaco.
Deixei-me ficar, tremendo, e depois, e sem conter, escorreram em caudal denso lágrimas grossas e pesadas sob a minha face...
Vivênciei uma experiência de dor...
Senti-me esvaziar. Senti-me sózinha...
As teclas do piano dessintonizaram e gritaram no escuro da noite uma melodia pesada, densa e muito muito ausente... Enregelei e assim fiquei...
até que minhas lágrimas secassem, até que...
Pois, para onde poderia ir...?
Está frio e eu não tenho casaco...

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