sábado, 28 de janeiro de 2012

O ponteiro do relógio

Toca na radio um dedilhado de viola que me aquece aquela parte da alma que consegue não resistir ao som melodioso destas cordas...
Estou dentro do carro e esta frio...
Repouso a minha cabeça no apoio superior do banco e quando reclino a minha cabeça para a esquerda vejo o relógio luminoso da torre da Igreja...
Fixo-me nos ponteiros pretos que só consigo distinguir porque contrastam com a clareza do fundo
Não estou assim muito longe mas nestes momentos é que me apercebo do que consigo e do que nao consigo ver...
Esta é uma Igreja pequena, diria que familiar. O seu jardim da-lhe um ar de lar que não encontro nas outras Igrejas dos arredores
Lembro-me de uma vez termos passeado nesta calçada e de, numa rua aqui perto, me teres dito que ali moravam ou tinham morado duas raparigas com quem "andaste"
Não preciso recordar muito mais desta história para ainda me lembrar do calafrio que senti... e do quanto a minha cabeça voou para pensamentos que nunca verbalizei...
Hoje também e visto a esta distância vejo o quanto, nalguns momentos, tinha sido importante verbalizar os meus sentimentos...
E não propriamente por ti... mas para ti e por mim...
Há quem diga que nunca é tarde para isto ou para aquilo
E de facto talvez não seja mas as oportunidades que se perdem, não voltam...
E esta é uma realidade inabalável...
Assim como aquele passeio não volta a acontecer e foi o primeiro em que me deste a mão na rua
Assim como o ponteiro do relógio da torre da Igreja não volta a registar as 12h P.M. do dia 28.01.2012.
Toca o sino! O sino volta a tocar...!
Amanhã, se cá voltar, já não será dia 28.01.2012 mas o relógio estará cá, a Igreja também e quem sabe não daremos outro passeio...
Há quem diga que é uma tolice esperar por alguém
E de facto talvez até seja mas quando ganho essa oportunidade de te ver, de estar contigo, de te tocar, de te ouvir ou simplesmente de te contemplar... não a quero perder por nada deste Mundo!
E esta é uma realidade inabalável...!
Assim como a noite agora se adensa e amanhã despertará num sol radioso...

sábado, 14 de janeiro de 2012

Convento de Jerico

Convento de Jericó

Despimo-nos do corpóreo e do incorpóreo 
Aqui, em terras ribatejanas 
Onde em tempos frades capuchinhos se devotaram a S. Baco 
Votos de pobreza, oração e trabalho respiram-se!
Ainda se sentem as suas pegadas diárias 
Em busca da santidade desbotada no real das duas vidas
Chego e poiso o meu tripé
Tiro da mala o meu estojo 
Escolho o meu melhor pincel 
Começo pelo verde
É tão intenso e vivo que não posso resistir-lhe por muito tempo 
Um manto verde cobre quase todo o chão 
Apenas entrecortado pelos caminhos bejes da terra agora pisada e repisada por rodados de carros 
Talvez em outros tempos se vissem cavalos, carroças e até mesmo os cajados dos frades
Galhos castanhos repousam nesse manto verde
E sobressaem florinhas amarelas de caule verde
Daquelas que em miúda chamava de "azedas" e que chupava às escondidas de todos!
A sensação do azedo arrepiava-me a pele!
O vento da-lhes de quando em vez e sente-se uma brisa suave que me faz ouvir a melodia
"Nas asas do vento que vem..."
Continuo pincelando no meu cenário natural 
Árvores, muitas árvores povoam as margens do rio 
Árvores de tronco principal grosso, disforme, e ramificado em raminhos fininhos e completamente nus
A sensação é que estarão secos mas a sua cor castanha escura e viva, afasta-a
Daqui onde coloquei a minha tela o rio faz uma saliência arredondada
Hoje há mais lodo viscoso, escuro, castanho do que água
Mas quero pintar água, 
Água que cobre estas ilhas de terra e lodo que se vêem 
E esta ausência da vida dos peixes
Visto deste ponto 
O rio quase parece pequenos lagos que se tocam em margens de terra comuns 
Margens que são amontoados de ramagens, de arbustros, de vegetação 
Na sua maioria acastanhada
Em todos os castanhos que a minha palete de tintas consiga fabricar
Quando páro a avidez da pintura e me sereno
Pássaros aos pares, sozinhos ou em família vêm para mais perto 
E oferecem-me o doce dos seus corpos
A luminosidade das suas penas 
E a frescura dos seus cantares 
Um deles, branco, grande, quiçá uma garça,
Fez um vôo bem rasteiro à água e abriu por completo as suas asas 
Num misto de pertença e de liberdade 
Buscando um rumo e deixando-se conduzir 
O sol desceu
Afinal sempre vou pintar o pôr-do-sol 
Como aquele que se reproduz numa das minhas memórias mais felizes 
Jericó, a "Cidade das Palmeiras" 
Quase que poderia ser aqui 
Aqui, poderia ser o que se quisesse 
Por isso, pinto o céu de azul claro, em mantos brancos que se adensam mais nuns lados do que noutros 
E junto ao rio, a uma distancia simpática e apelativa
Vou fazer nascer uma casa de madeira
Com um alpendre grande e uma cadeira de baloiço 
Para onde dão duas grandes janelas largas e a porta de entrada 
Com um corrimão que sustenta pequenos vasos de amores perfeitos 
E uma esteira suspensa com uma manta azul turquesa 
Cheira a jasmim do chá quente acabado de fazer e posto na mesinha pequenina da rua
As bolachas de canela estão no frasco de vidro de tampa dourada 
Sentamo-nos nas almofadas laranjas "pele de pêssego"
E lembro-me de pensar: 
Aqui, em terras ribatejanas 
Onde em tempos frades capuchinhos se devotaram a S. Baco 
Votos de felicidade e amor em estado puro 
respiram-se!

sábado, 7 de janeiro de 2012

Um resquício de uma semente

Banho-me nestas águas pela primeira vez
Deixando que cada pôro da minha pele
Inale as profundezas de tudo aquilo que me queres dizer
Venho-me a ti sem medo e sem destino
Confiando que tudo aquilo que queiras falar-me
Será o que for melhor para ti
Será aquilo que nos conduzirá
Não espero nada de ti
Nunca quis nada de ti
E estou pronto para te ajudar naquilo que quiseres e precisares
Observo-te
Os teus cabelos ondeiam ao vento como as folhagens das arvores
O teu rosto reflecte a luz do sol
E os teus olhos encandeiam-se com o brilho das águas do rio
Não posso abraçar-te agora...
Tenho que permanecer distante
Para criar-te o espaço que precisas
Sei que precisas desse espaço...
Se soubesses como te amo...
Se soubesses como te quero...
Olhas para mim com o olhar terno de sempre
As tuas mãos, ainda nao lhes toquei mas sei que estão suadas
Mexes nas tuas chaves
Sei que estas nervosa...
Sei que queres falar e nao consegues
E sei, que provavelmente me iras deixar...
E porra, vou ter que te ajudar nisto...
Pois nao posso e nao quero ver-te sofrer...!
Entrego-me agora à natureza e vou deixar que seja ela a conduzir-nos
Começas a falar
Que linda
Falas a medo mas com convicção
Falas ternamente mas dói tanto o que dizes...!
...
Mas há algo que opera em nos tão mais forte...!
Eu também sinto!
Deixo-me conduzir pela natureza e tu também
E o nosso grito espelha
A nossa unicidade!
Enchemos bem os nossos pulmões e gritamos!
Gritamos mesmo!
E tu gritas comigo pela primeira vez! Que linda!
Entregaste
Das-te
Nunca terei em meus braços uma mulher como tu
Saboreio cada momento contigo e este em particular
Sim,
Cada um de nós
Se revê no patinho do lago
Aquele que anda lado a lado
Aquele que se cola
Aquele que protege
...
Sou teu
Sou teu na certeza de ser
Sou teu na certeza de que és
Sou teu na certeza de que somos...
Supera-te agora
Vê comigo para alem destes dois caminhos do rio
Fecha os olhos comigo
Respira fundo
E ouve
Ouve o que ainda nao tinhas ouvido
Sente o que ainda nao tinhas sentido
Liberta-te
Entrega-te à natureza
Tatua em ti esta simbiose única de dois seres
que se deram, que se dão e que se darão
Aconteça o que acontecer
Vivam o que viverem
Construam o que construírem
Porque todos os momentos são e serão sempre
Um resquício de uma semente
Que um dia germinará
De forma indefectível...!

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Mergulho...

Estou sentada nas margens,
apertando as mãos contra a minha boca,
num gesto de protecção e de busca de conforto,
tentando impedir que ao mínimo soltar de ar,
se lance sobre a atmosfera aquele fumegar branco nevoeiro.
Aquele fumegar que denuncia a minha presença ali... 
Esquecida,
Estou mais preocupada com o fumegar da minha boca
do que com o casaco branco comprido que visto
e que à luz do luar da noite e dos alguns candeeiros do parque
poderia ser visto ao longe como o farol que marca a presença da terra firme.
Encontrada
Por dois patinhos que navegam nas águas do lago
sou surpreendida pelo seu ar feliz e empertigado
como quem anuncia a chegada de algo bom
e se orgulha por fazer parte de algo maior
Mergulho
Nessa sensação amorosa
dos seus abraços
dos seus mimos
dos seus beijos sem lábios...
Eles
que no silêncio da noite fria e gélida de Dezembro
navegam sem deixar marcas ondulantes na água
e que assumem esse estar juntos
das profundezas do ser e do estar