domingo, 12 de fevereiro de 2012

Vesti vermelho

Vou fazer de conta que hoje é ontem, dia 11 Queria ter escrito ontem, enquanto era 11
Agora que já é 12, posso apenas fazer de conta
E é isso que vou fazer
Hoje foi o primeiro dia
Hoje foi o primeiro dia em que vesti vermelho
Hoje foi o primeiro dia em que vesti vermelho depois de teres ido embora
Hoje foi o primeiro dia em que vesti vermelho depois de teres ido embora no dia 1
Não 11, mas 1
Não de Fevereiro (2), mas de Setembro (9)
Curioso... 2+9=11
11 afinal deve ter um significado...
Vesti vermelho é tudo o que sei
Vesti vermelho depois de algum tempo...
Algum tempo sem ti...
Diria agora que, algum tempo, tem sido na verdade uma eternidade sem ti...
Uma infinitude...
Tal como uma infinitude podem ser as vezes que queira fazer de conta que não é 12, é 11
E não sei se foram 11 as vezes que me lembrei de ti
Provavelmente terão sido uma infinitude de vezes...
Quando dei por mim vestida de vermelho... o meu ser parou...
Caminhava calmamente mas abrandei o meu passo
Estava na ponte
Aquela ponte de betão por cima da auto-estrada
E com o frio e a geada na manhã o piso estava escorregadio
Lembro-me de ter tido dificuldade em controlar os meus pés
E senti "ai, vesti vermelho..."
Foi então que uma voz se fez ouvir dentro de mim
"Sossega teu coração, eu estou contigo
E estou contigo sempre
Dá um passo em frente no teu luto
Ainda que queiram pôr-te por caminhos escorregadios
Liberta-te das formalidades
Das rezas em surdina e dos rituais desprovidos de sentido
Eu estou em paz... e continuo contigo, no teu coração"

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

1 papagaio Etern8

Um dia em criança
Vi um papagaio de papel no céu
Pensei que era um pássaro
E meus olhos não se despregaram dele
Porque era colorido como o arco-íris
E dava-me uma sensação de leveza
Ele foi querendo fugir à frente dos meus olhos
E então comecei a apressar-me
E depois a correr
Desatei as sandálias para conseguir ir mais depressa
Senti o fresco da areia molhada
Estava na praia
Quanto mais corria mais o papagaio parecia fugir
Parei então
Parei de cansaço
E fixei meu olhar nas suas cores lindas
Pedi que voltasse para mim
Pedi que voltasse para trás
Deixei de o ver...
Durante muito tempo não o vi...
...
Agora,
De novo sentindo o freco da areia molhada
Estou sentada e olho o mar de lado...
Do meu lado esquerdo
O sol está nas minhas costas
À minha frente, o horizonte é um extenso areal
E uns montes que me impedem de ver mais além...
... Splash!
Levei com uma onda!
A água molhou meu cabelo,
Meus olhos, minha boca, minhas faces, minhas orelhas...
Todo o meu corpo!
E com a sua força quase me derrubou!
Senti então um calor no meu braço direito e nas minhas costas
Seria o sol?
Mas para além do calor sentia-me amparada
Uma voz se fez ouvir?
"Estou aqui"
"O papagaio?" pensei eu
Não sei porque me lembrei do papagaio naquele momento
Sim pensei: "O papagaio que deixei de ver voltou?"
Fechei meus olhos
Podia estar a sonhar...
E se estivesse a sonhar preferia que fosse com a sua presença
Tão bom sentir aquele calor...
Tão bom sentir...
Aquele abraço!
Era um abraço sim!
Foi então que abri meus olhos...
E para meu espanto o papagaio estava por perto
Quase por cima de mim...?
Não, por cima de nós!
E uma voz se fez ouvir?
"Queres segura-lo comigo? Eu sozinho não consigo"
Foi então que virei ligeiramente o meu rosto para trás
Era o sol, sim era
Eras tu!
Porque só contigo
Posso dar asas ao vôo mais puro, mais leve, mais colorido de sempre...!
E inscrever no céu um 8
Precedido de 1
Um... porque eu e tu...
Somos um!

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Não digas nada

Não digas nada!
Nem mesmo a verdade
Há tanta suavidade em nada se dizer
E tudo se entender —
Tudo metade
De sentir e de ver...
Não digas nada
Deixa esquecer

Talvez que amanhã
Em outra paisagem
Digas que foi vã
Toda essa viagem
Até onde quis
Ser quem me agrada...
Mas ali fui feliz
Não digas nada.

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

...

Estou seca...

Estou seca...
Nada brota de mim
Nem mesmo um leve suspiro...
O silêncio tomou conta de mim...
E quem escreve agora...
Já não sei quem sou...
Estou amachucada
Encarquilhada
Apenas umas nervuras sobressaem...
Não vejo
Não ouço
Não saboreio
Não sinto
Nenhuma melodia, som ou palavra sai da minha boca... enrugada pelo tempo, pelo espaço,...
Não há cor...
Aqui não há cor como noutros sítios
Ou outras palavras...
Ou outras gentes...
Aqui... não há mais nada...
Que não seja
Um enorme rancor!
De uma palavra seca que se recebe...

Serei aquilo que quiser ser
E não quero ser
O gozo de ninguém...