quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Aconteceu? O que é que aconteceu?

Sofia está a trabalhar. São 16.30 da tarde. Há pouco eram 16.20 e antes eram 16h e um pouco antes eram 15.50 e antes ainda eram...
A contagem do tempo é algo que tem feito agora muito mais... agora desde há dois dias.
Agora desde que tudo aconteceu...
Aconteceu? O que é que aconteceu?
Sofia está a trabalhar no seu gabinete quadrado.
Tem uma janela, de parede a parede, nas suas costas.
Á sua frente, do lado direito, é a porta. Está meio fechada. Nos ultimos dias tem estado quase sempre assim, meio fechada... Ou meio aberta, como queiram.
As paredes do seu gabinete são de um castanho laranja torrado, mesclado com um castanho mais escuro. Daquela vista que faz lembrar os veios dos troncos das árvores, sabem?
E não são lisas, têm uma espécie de molduras em metal.
Na verdade as paredes são mesmo em madeira, em módulos quadrados, que se montam e desmontam e por isso têm as molduras em metal. Até daria para, pelo menos na parede da frente que dá para o corredor, substituir alguns deles por módulos em vidro. Nesse caso, todos os que passassem no corredor viriam a Sofia sentada na sua secretária cor de mel e preto...
Ela hoje está de preto e branco. Tem um vestido de cavas que é mini-saia e uma camisola de gola alta branca. Está com um ar muito mais sexy que o habitual. Os sapatos são pretos com uma fivela a passar o peito do pé, como se fosse uma bailarina.
Sofia está a trabalhar ao computador com os seus mais de dois email's ligados mas os seus olhos só veêm efectivamente um deles... e não consegue parar de pensar no que aconteceu...
Aconteceu? O que é que aconteceu?
Sofia precisa de responder a uma notificação do Estado. Já redigiu quatro vezes a resposta, passaram as 16.30, 16.20, 16h, 15.50, e as... e ainda não conseguiu sequer firmar a estutura do seu requerimento...
Sente as letras a bailarem à sua frente, confunde as datas das cartas que precisa anexar ao seu requerimento, até a imagem do ecrã lhe começa a vir desfocada e confusa...
Está sentada, começa a recostar-se, sente uma espécie de sensação de mau-estar, ou pelo menos convence-se disso.
Bebe água, sente-se a ficar com muito calor.
As suas faces começam a ruborizar-se
Os seus pensamentos são segredos plantados em terras rosadas.
Aconteceu? O que é que aconteceu?
No computador a imagem é a mesma, o requerimento. No email a imagem é mesma, 0 de mensagens novas, no outro email mantêm-se os contactos de trabalho.
Começa a sentir uma vontade de inspirar mais profundamente, de se alhear... o seu peito começa a enrijecer, os seus mamilos a empertigarem-se...
Aconteceu? O que é que aconteceu?
A sua boca está seca.
As vozes que se ouviam na sala de reuniões do lado começam a ficar mais tímidas, o seu corpo está determinado e clama em altos brados! Nada o pode parar!
E geme silenciosamente como um trovão que ecoa nas paredes do seu ser.
...
Levanta-se trémula, meio soada, as faces coradas.
Treme e sente dificuldade em aguentar-se nas suas pernas... 
Navegou até às profundezas do seu ser, ao cerne da cebola.
E agora, com as suas folhas escamiformes retiradas, sente frio...
o frio da sua ausência...

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